Dívidas do Falecido: Até Onde Vai a Responsabilidade dos Herdeiros?
- Bruno Naide Lopes Gomes
- 18 de jul.
- 5 min de leitura
Introdução: O Medo de Herdar Dívidas

Junto com a dor do luto e a burocracia do inventário, uma preocupação financeira assombra muitas famílias: "Meu pai faleceu e deixou dívidas. Terei que usar meu próprio salário para pagar? Posso ter meu nome negativado ou meus bens penhorados por uma conta que não é minha?". Esse medo é compreensível e generalizado.
Meu nome é Bruno Naide, e como advogado que busca transformar incertezas em segurança, quero trazer a você uma informação tranquilizadora e fundamental: você não herda dívidas. Pelo menos, não da forma como a maioria das pessoas imagina.
O sistema jurídico brasileiro, herdado do Direito Romano, estabelece um princípio claro: a responsabilidade do herdeiro é limitada. Você não precisa se preocupar em tirar dinheiro do seu próprio bolso para quitar os débitos de quem partiu. No entanto, isso não significa que as dívidas simplesmente desaparecem. Elas precisam ser pagas, mas com o patrimônio da própria herança. Este guia completo irá explicar em detalhes como funciona essa responsabilidade, quem paga o quê e como proteger seu patrimônio pessoal.
1. O Princípio Fundamental: Intra Vires Hereditatis
Este termo em latim pode parecer complicado, mas sua ideia é simples e central: a responsabilidade do herdeiro pelas dívidas do falecido limita-se às forças da herança.
O que isso significa na prática? Significa que as dívidas serão pagas utilizando os próprios bens que compõem o espólio (o conjunto de bens deixados). O patrimônio pessoal dos herdeiros, aquele que eles já possuíam antes do falecimento, é intocável e não pode ser usado para quitar esses débitos.
Exemplo 1 (Herança maior que a dívida): João faleceu e deixou um patrimônio de R$ 500.000,00 (uma casa e um carro) e dívidas de R$ 100.000,00. No processo de inventário, o carro será vendido, os R$ 100.000,00 em dívidas serão pagos, e os R$ 400.000,00 restantes (a casa) serão partilhados entre os herdeiros.
Exemplo 2 (Dívida maior que a herança): Maria faleceu e deixou um patrimônio de R$ 50.000,00 (um carro) e dívidas de R$ 80.000,00. O carro será vendido, os R$ 50.000,00 serão usados para pagar parte da dívida, e os R$ 30.000,00 restantes não serão cobrados dos herdeiros. O credor simplesmente arcará com o prejuízo. Os herdeiros, neste caso, não receberão nada de herança, mas também não pagarão nada do próprio bolso.
Portanto, o máximo que pode acontecer é a herança ser totalmente consumida pelo pagamento das dívidas, sobrando nada para os herdeiros. Você pode não herdar bens, mas nunca herdará um prejuízo.
2. O Papel do Espólio: A "Pessoa Jurídica" Temporária
Até a conclusão do inventário e da partilha, o conjunto de bens, direitos e obrigações do falecido é chamado de espólio. É o espólio, representado pelo inventariante, que responde judicialmente pelas dívidas. Os credores que desejam cobrar seus créditos devem habilitar-se no processo de inventário ou mover uma ação de cobrança contra o espólio, e não contra os herdeiros individualmente.
Após a partilha, a responsabilidade muda. Se uma dívida não foi quitada durante o inventário, os herdeiros passam a responder por ela, mas ainda de forma limitada: cada herdeiro responde apenas na proporção da parte da herança que recebeu. Se um herdeiro recebeu 20% da herança, ele só responderá por até 20% daquela dívida remanescente.
3. Tipos Comuns de Dívidas e Como São Tratadas
Empréstimo Consignado: Esta é uma exceção importante e benéfica para os herdeiros. A Lei nº 1.046/50 (ainda que antiga, é aplicada) estabelece que o falecimento do consignante extingue a dívida do empréstimo consignado. A lógica é que o empréstimo estava atrelado à fonte de renda (salário, aposentadoria) que cessou com a morte. Muitos contratos de consignado também possuem um seguro prestamista embutido, que quita o saldo devedor em caso de morte. Portanto, os herdeiros não devem continuar pagando parcelas de consignado.
Financiamentos de Imóveis e Veículos: A maioria dos contratos de financiamento imobiliário (SFH) possui um seguro prestamista obrigatório. Com o falecimento do mutuário, o seguro quita total ou parcialmente o saldo devedor. É fundamental que a família comunique o óbito à instituição financeira imediatamente para acionar o seguro. Se não houver seguro, a dívida passa a ser do espólio e deve ser paga com os bens da herança.
Dívidas de Cartão de Crédito e Cheque Especial: São dívidas comuns, sem garantia real. Os bancos e administradoras de cartão devem habilitar seu crédito no inventário. São dívidas do espólio, pagas com os bens deixados, seguindo a regra geral.
Dívidas Fiscais (Impostos): Débitos de IPTU, IPVA, Imposto de Renda, etc., são de responsabilidade do espólio. O Estado tem preferência no recebimento em relação a muitos outros credores. A certidão negativa de débitos tributários é, inclusive, um requisito para a finalização do inventário.
Dívidas de Condomínio: São dívidas propter rem, ou seja, atreladas ao próprio imóvel. O condomínio pode cobrar do espólio e, se não for pago, pode levar o próprio imóvel a leilão para a quitação do débito.
4. O Que Fazer ao Descobrir as Dívidas? O Procedimento Correto.
Levantamento Completo: O inventariante, com ajuda do advogado, deve fazer uma busca ativa por todas as possíveis dívidas. Isso inclui consultar o SERASA, o Registrato do Banco Central, e buscar por carnês, boletos e contratos.
Notificação aos Credores: É de boa-fé que o inventariante comunique os credores conhecidos sobre o falecimento e a abertura do inventário.
Habilitação no Inventário: Os credores devem peticionar ao juiz do inventário, apresentando os documentos que comprovem a dívida e solicitando seu pagamento.
Reserva de Bens: O juiz, reconhecendo a dívida, mandará separar ("reservar") bens do espólio suficientes para garantir a quitação do débito.
Pagamento e Partilha: Após o pagamento de todas as dívidas confirmadas, o saldo remanescente é partilhado entre os herdeiros.
5. E se um Herdeiro Pagar uma Dívida com Dinheiro Próprio?
Pode acontecer de um herdeiro, para evitar a venda de um bem de estimação da família (como a casa), decidir pagar uma dívida do espólio com seu próprio dinheiro. Neste caso, ele se torna um credor do espólio. Ele tem o direito de ser reembolsado pelos demais herdeiros ou de receber uma parte maior da herança, no valor correspondente ao que pagou, tudo devidamente comprovado e formalizado no processo de inventário.
Conclusão: Segurança Jurídica para um Recomeço Tranquilo
A gestão das dívidas é uma das fases mais críticas e técnicas do inventário. A lei brasileira protege os herdeiros, garantindo que o patrimônio pessoal não seja afetado pelas obrigações do falecido. No entanto, essa proteção depende de o inventário ser conduzido da forma correta, com transparência e diligência no levantamento e pagamento dos débitos.
Ignorar os credores ou tentar partilhar os bens "por fora" pode trazer consequências graves, como a anulação da partilha e a responsabilização dos herdeiros por multas e juros. A orientação de um advogado especialista é essencial para administrar o passivo do espólio de forma segura, negociar com os credores e garantir que, ao final do processo, os herdeiros recebam um patrimônio saneado e livre de quaisquer ônus, permitindo um recomeço financeiro sem as sombras do passado.
Sua família está lidando com as dívidas de um ente querido que faleceu? Não sabe como proceder com os credores? Entre em contato. Nós podemos orientá-lo em cada passo, garantindo a proteção do seu patrimônio e a sua tranquilidade.
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